segunda-feira, 24 de agosto de 2009

A chama que acende um forno

Desde a sua descoberta, cerca de 5000 anos atrás, o vidro sempre esteve envolto em uma áurea de mistério, que em maior ou menor proporção se estende até os nossos dias.

Isto não é difícil de entender para aqueles que estão envolvidos no seu processo produtivo. A produção do vidro, embora conhecida há tanto tempo, originando um material tão popular, presente desde os mais ricos palácios até as mais humildes favelas, estudado por cientistas pelos quatro cantos do mundo, ainda apresenta mistérios “insolúveis”.

Quantas vezes os vidreiros já não falaram: “não mudamos nada e a qualidade caiu” ou “fizemos tudo do mesmo jeito e o resultado foi outro” .

Isto acontece porque existem tantos parâmetros envolvidos numa aparente simples fusão de composição que dificilmente conseguimos dominar e compreender todos os fenômenos que estão em jogo.

Quando dizemos: “nada mudou” na verdade poderíamos dizer que nada é igual; a areia que estamos usando agora não é a mesma que usamos ontem, nem o óleo que estamos queimando. Nem o forno, pois hoje ele já está um dia mais velho que ontem, sem contar com a umidade do ar, temperatura ambiente, e tudo o mais que evolui constantemente.

Antigamente tudo isto ocorria também, e como havia poucos meios científicos de compreensão dos fenômenos e relacionamento destes com os resultados, tudo era muito na base da tentativa e erro. Desta maneira, tentando-se reproduzir condições que anteriormente deram bons resultados, muitas superstições surgiram ainda que sem explicação lógica e permanecem até os nossos dias, mesmo nas fábricas mais sofisticadas.

Uma delas é a da continuidade da chama. Nunca se acende um forno com uma chama “nova” . A chama que acende um forno é sempre trazida de um outro, como se os vidreiros temessem usar um fogo novo, “sem experiência”, que não saberia bem fundir o seu vidro.

Assim foi quando se iniciou o primeiro forno float (processo de produção de vidro plano) do Brasil na fábrica da Cebrace de Jacareí em 1983. Na época, o forno I foi aceso com uma chama trazida do forno P200 da Santa Marina, localizado em São Paulo a cerca de 80 quilômetros de distância e que era até então o maior forno de vidro plano do pais. O transporte da chama se deu por intermédio de um lampião.

Quando este forno parou para reforma em 1992, como era o único da fábrica, guardou-se a sua chama, cuidadosamente, em dois lampiões, por todo o período da reforma, de três meses, para reacendê-lo no novo arranque. O forno II, na mesma unidade, inaugurado em 1996 já foi aceso com a chama do forno I. Esta mesma chama que provavelmente vem de muitos fornos anteriores ao próprio P200.

Na CIV a tocha empregada em cada aquecimento tem uma concepção artística e todas são guardadas, após cumprirem sua função, com muito carinho pelos funcionários.

Na Wheaton, localizada em Diadema, São Paulo, há um jardim onde arde uma “chama eterna” que serve para iniciar cada um dos fornos após uma parada.

Da mesma forma o acendimento não é feito por qualquer pessoa mas pela madrinha do forno, normalmente uma jovem menina, como para se transmitir toda a vitalidade, pureza, esperança e perspectiva de uma longa vida pela frente, característica das crianças.

Talvez hoje em dia estas superstições não tenham mais o peso que tiveram no passado, mas mostram o afeto das pessoas pelo seu trabalho, e um lado humano que persiste, felizmente, ao lado de toda a tecnologia.

Mauro Akerman

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